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Ao orí ancestral pela insistência em ser potência.

Às folhas e matas. Pela cura e suas enzimas.

As águas. Pela limpeza do corpo e purificação da alma.

Ao vento. Por ser Òrìṣà que toma o corpo e fortalece Orí.

Ao fogo. Que queima o barro e transforma-o em pedra.

À Terra. Por ser quilombo e ser terreiro.

À todes que vieram antes de mim.

À todas as vidas negras que não puderam (R)existir.

Às mães que choraram pelas vidas cessadas das suas filhas e filhos.

À mainha.

A Juliano.

À Tonha preta.

A Calvin e à Nina.

Ao candomblé.

Em memória de minha irmã Nide e Painho Luizinho.

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EBÓ  E REVOLTA

Esta pesquisa é um ebó. Um trabalho. Uma macumba!

Um pacto decolonial, individual e coletivo.

Um ebó transitório, que movimenta, agradece e roga praga;

Não haverá paz nesse mundo – enquanto o ejé dos nossos carimbar o chão! 

Não haverá um dia de sossego – enquanto nossos corpos forem alvo das militarizações.

Não haverá prosperidade sem a nossa permanência, existência. 

“Exu nas escolas” (Elza Soares)

Não haverá felicidade – enquanto uma mãe tiver que enterrar o seu filho;

Não haverá segurança – enquanto os nossos corpos tiverem que habitar as calçadas

Não haverá liberdade, se o encarceramento for preto.

Não haverá um dia sequer que um racista passe sem ser desmascarado.

Não haverá paz nessa terra – se as racializações dos nossos corpos negarem nossas potencialidades.

Isto é um ebó.

Isto é uma profecia.

Isto é uma certeza.

Em meu trabalho busco pautar a discussão sobre o racismo e a exclusão social da população negra e indígena  brasileira, sobretudo, quando percebo a necessidade de se contrapor a um modelo de produção artística eurocêntrico, colonialista, que se perpetua no ensino de artes nas escolas, e que não aprofunda tais questões com a responsabilidade necessária.

Engajado em um processo de decolonização da produção artística brasileira, na construção de novas epistemologias na arte e na academia, meu trabalho tem o intuito de colaborar com o processo de ressignificação do lugar da arte negra na contemporaneidade. Refletindo sobre questões culturais e de identidade, buscando corrigir os apagamentos e silenciamentos ocorridos ao longo da história. 

A negação histórica corrobora diretamente com a violência física e simbólica sofrida por pessoas negras, onde corpos são mercantilizados e exterminados. O genocídio do povo negro é legitimado pelas estruturas do poder. É nessa conjuntura que o racismo religioso se consolida, refletida, por exemplo, nos ataques e depredações aos terreiros de candomblé em várias cidades do país, acentuando a violência e o racismo estrutural. 

Diante disso é importante repensar a participação do negro na construção das narrativas e visualidades de suas práticas artísticas, levando em consideração a centralidade da história da arte afro-brasileira, da diáspora africana e do diálogo com o meio social e cultural dos povos tradicionais de matrizes africanas, cujos caminhos sejam capazes de potencializar a reafirmação da negritude.

Minha estratégia é realizar o deslocamento das narrativas poéticas e das visualidades articuladas ao conhecimento ancestral dos povos tradicionais, ligados à religiosidade dos terreiros de candomblé, para universidades, centros de cultura, museus e galerias, contribuindo, assim, com o reconhecimento e a valorização da arte negra em contextos embranquecidos.

As tradições de matrizes africanas no Brasil compreendem o candomblé e o quilombismo|aquilombamento, modos de vida que integram a ancestralidade, com características de sentido estético e ritualístico. Esse emaranhado de referenciais é repleto de mistérios, simbologias e ritos relacionados aos elementos da natureza: ar, água, terra e fogo, que são constituidores e fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa.

Recorrendo às poéticas visuais desses rituais sagrados e também profanos, o trabalho pensa os signos referentes ao transe|to e à permanência dos corpos negros nos territórios ribeirinhos do sertão — a cura através do alimento sagrado e das folhas utilizadas nos banhos e ritualísticas dos terreiros —, que materializa objetos de arte afro-brasileira criadores de narrativas visuais. 

A feitura das obras|ebós, utilizando a terra e o corpo preto como imagens, movimento, transe|to, proteção e cura, toma por referência as poéticas encontradas na oralidade e na resistência dos povos negros afro-ribeirinhos e afro-sertanejos, bem como nas folhas encantadas por Ọ̀sányìn e no alimento votivo.

Os artefatos utilizados nos rituais religiosos, manipulados em coletividade, carregam em si ancestralidades, afetos e significados que transbordam saberes. Tais práticas, ensinadas de geração em geração por meio da oralidade, permitem que todos sejam coparticipantes do processo e da experienciação estética.

A investigação foi realizada nos terreiros Ilè Odé oké Asè Ògòdó, localizado no bairro Terra do Sul, periferia da cidade de Petrolina-PE, e no Ilè òmò Lòsí Asè Odé Tafarajó, na fronteira com o bairro Quidé, onde está assentada parte da história da população negra de Juazeiro-BA, no sertão do São Francisco. 

O processo de gentrificação das duas cidades culminaram na execução e negação das identidades afro-ribeirinhas-sertanejas, cujo processo de racialização dos corpos que transitam em seu chão batido, d’onde se aquilombaram as primeiras famílias pretas da região e plantaram seus Òrìşàs, impossibilitou tais corpos de se reconhecerem enquanto materialidade diaspórica e, consequentemente, de exercerem suas crenças, trafegarem sobre as águas doce do rio Opará e despachar seus Ebós em agradecimento. 

Portanto, se faz necessário praguejar. Retomar o poder e garantir futuro fértil no curso que planeja o fim do mundo.

Cremos

Ao poeta Nei Lopes pelo poema “histórias para ninar Cassul-Buanga”

Cremos.

Quando Muralhas

desfizerem-se

com a mesma leveza

de nuvens-algodoais,

os nossos mais velhos

vindos do fundo

dos tempos

sorrirão em paz.

 

Cremos.

O anunciado milagre

estará acontecendo.

E na escritura grafada

da pré-anunciação,

de um novo tempo,

novos parágrafos

se abrirão.

 

Cremos.

Na autoria

desta nova história.

E neste novo registro

a milenária letra

se fundirá à nova

grafia dos mais jovens.

 

Conceição Evaristo

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