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trance|to

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Mainha Wall Fund -2020

(...)Atravessei o mar, um sol
Da América do Sul me guia
Trago uma mala de mão
Dentro uma oração, um adeus

Eu sou um corpo, um ser, um corpo só
Tem cor, tem corte
E a história do meu lugar, ô
Eu sou a minha própria embarcação
Sou minha própria sorte

Je suis ici, ainda que não queiram, não
Je suis ici, ainda que eu não queira mais
Je suis ici, agora

 

(Luedji Luna – Um corpo no mundo)

Transe|to - Guardados de um povo

Ação - Transe - Corpo-Ebó, 2020

Ração branca, Orí de barro, asfalto e terra

 

À deriva, caminho por/entre encruzilhadas diversas. Corpo tomado. Como toma o Òrìṣà o corpo preparado. Todo mistério está guardado.

Tento me conectar com o passado sem que isso me doa. Invento memórias quando não as tenho.

Fomos impedidos de tê-las...

 

Carrego um Ori de barro, onde guardo as memórias de infância. Conhecimentos coletados por aí.

Segredos do manipular a terra e cuidar das folhas. Guardo os banhos e palmadas que mainha me dava. Guardo o cheiro de goiaba e melancia.

Guardo até o cheiro do chiqueiro dos porcos; O cheiro de bosta de galinha.

E as vidas diversas do quintal onde cresci.

 

Transe|to é o corpo negro que cruza o sertão. Numa embarcação precária, que cursa o rio.

 

Pelas águas avermelhadas do Atlântico.

Em porão sombrio e ensanguentado, em um movimento de fricção — forçado —atravessou-se o mar.

Desta vez por água doce, com promessa de "progresso", destruiu-se cidades inteiras, afogaram as memórias e as histórias desses lugares.

Vida e morte, cursa um rio, onde os fantasmas se enxertam à terra. Adubam o território e geram vidas nas ruínas.

As mazelas do esquecimento são como sulcos na madeira – que sangra – e em valas de plantio germinam ao entardecer. Sempre foi um problema voltar a Pilão Arcado, guardo mágoas e feriadas que não se fecharam...

A pobreza, a violência sobre um corpo preto e viado de uma cidade pequena do interior.

Cicatrizes profundas que nem Oṣun consegue (a)cessar. Mas vai cessar, o sangue há de estancar, com folhas, fumaça e grãos; o sangue há de cessar.

 

Transe|to pensa as racializações, a corporeidade preta e indígena — transeunte em território sertanejo. Como são construídas as identidades e saberes?

 

O movimento é de retorno — de retomada — é diáspora de volta para Áfricas possíveis — sem esquecer — águas doces se misturam ao mar do Atlântico do sul; geram uma força que permite retornar.

O encontro com o passado e, principalmente, com o futuro. Que pode ser, inclusive, o de rompimento com a fronteira.

 

A ação fura o tempo... rompe...

Dura o tempo de uma viagem de carro de Petrolina a Pilão Arcado.

Paradas na estrada se estabelecem pela geografia do lugar; na estrada, enchentes — chuva — “sol quente” — verde — asfalto e terra.

Novas construções, e construções que não se findam.

 

Vejo o sangue escorrer na minha testa,

furei num olho da goiabeira correndo atrás de pintinhos coloridos.

 

Ao chegar, outra promessa...

Um muro repleto de plantas, mangueira, bananeira, acerola, graviola, pinha, mamão, e uma infinidade de ervas curandeiras...

 

Esse Transe|to aconteceu no mês de abril de 2020, uma segunda-feira de Semana Santa; é inicio da pandemia de COVID- 19, que se estabeleceu como crise sanitária e incerteza de vida.

Fomos eu e Juliano, meu marido, buscar mainha que mora sozinha, para aliviar o coração e atravessar o caos juntos.

 

Caminhar em rios flutuantes, de esperança e fluidez!

 

 

Fotos: Juliano Varela

© 2022 Luiz Marcelo 

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