top of page
Olubajé, 2020

Olubajé, 2020

 

Adupé meu pai Obaluaê

 

Adupé meu pai Obaluaê
Adupé meu pai Obaluaê
Adupé meu pai Obaluaê
Adupé meu pai Obaluaê

Na minha dança
O que me causa dor, vira poeira
Adupé meu pai! Atotô!
Teu canto ecoa na voz de um tincoã
Palha e mistério
Da terra de Nanã

Balançam guizos
Nas mãos o Xaxará
Doença e cura
Silêncio no caminhar
Meu velho orixá
Tua luz e teu amor
Irão nos curar
Adupé meu pai! Atotô! 

Zé Manoel

Minha base é forte, tenho raízes profundas e mesmo quando envergo, logo me restituo.

Mo dúpẹ́ à Orí-entação dos que vieram antes de mim. Às mulheres negras pela tecnologia do cuidado e perseverança em entender que matriarcado é posto, divisões de gêneros são criações euro-americanas ocidentais. Nosso entendimento sobre gênero perpassa o lugar de subserviência. O cuidado não está relacionado à submissão, é sobre ensinamento, afeto e resistência.

Mo dúpẹ́  aos homens pretos pela esperança de libertação do fardo de ser comparado; aproveito para agradecer ao meu pai (em memória), seu Luizinho, por todo exemplo de humanidade que carregara. Mo dúpẹ́, bàbá mi.

Mo dúpẹ́  à Mainha, Marinalva, por ser doçura, mesmo com todo amargor que a colonialidade lhe reservou. Por ser a maior referência de amor e superação. Por me fazer ter coragem em tentar caminhos diferentes aos quais nos conservaram. Mo dúpẹ́, ìyá mi! À Mainha também dedico esse Ebó e reservo-a, desejo que sua vida seja longa e que todas as suas feridas sejam estancadas. Dárijì mi, pelo menino traquino que fui, pelos gritos e cobranças de outrora, Dárijì mi pela desobediência e preocupações que te causei. Te amo.

Mo dúpẹ́  ao meu companheiro Juliano por me suportar nesse processo com todo meu abuso e impaciência. Mo dúpẹ́ por se dedicar tão bem ao ensino, por ser compromissado com seu oficio, engajado e corajoso. Se hoje a educação é um caminho, Ẹ ṣe púpọ̀ por me apresentá-lo. Mo dúpẹ́ pela parceria, por acreditar no nosso amor; e assim contrapor às estatísticas de solidão que um preto viado interseccionado carrega com todas essas camadas. Ps. Eu preciso concluir logo pra gente voltar a trepar mais (rsrsrs).

Mo dúpẹ́  a Tonha Preta por ser vanguarda, mulher preta que não perdeu a alegria mesmo tento que criar os seus filhos, netos e agora os bisnetos. Tonha é marco de negritude e resiliência no meu percurso. Ẹ ṣe é o pelo café com farinha que me alimentava quando faltava o de comer.

​Mo dúpẹ́ a minha vó Oldina, de quem eu aprendi a gostar já na adolescência. Sou menino que mamou até os quatro anos de idade e sempre que minha vó atravessava o Velho Chico pra nos visitar, bodejava a torto e a direito: “mar um marmanjo desse pendurado nos peito da mãe” — jurava passar bosta de galinha para que eu deixasse de mamar, sem saber ela que eu sou teimoso desde muito novo, e só pra contrariar venho mamando até aqui (kkkkk). Minha vó é do tipo braba, cabocla que foi dizimada pelo curso do racismo ambiental, pretenso ideal de progresso que nos fez referências distantes, sem primos e familiares presentes.

​Mo dúpẹ́  a todas as negritudes do território do Sertão, aos movimentos negros, aos povos de terreiros e aquilombados, e aos povos tradicionais. Ẹ ṣe púpọ̀ por centralizar discussões pensando os mecanismos que racializam e encobrem corpos plurais — somos pretos e somos múltiplos. Nós que estamos distantes das cidades onde os navios negreiros aportaram somos racializados de outras maneiras e ainda assim vale reafirmar que “Não somos todos NEGROS” — atentos!

Mo dúpẹ́  a toda minha família do Asè, pela companhia e cuidado. Mo dúpẹ́ bàbá mi Dennis Ty’Òssòssì pela expertise e acolhimento, por me ensinar tanto e por ser tão compromissado com os nossos. Ẹ ṣe o, por receber minha pesquisa de coração aberto, mesmo falando não entender nada sobre arte. A vivência e experiência que nos proporciona é a maior materialidade que possa ser exposta. Arte para mim é decolonialidade, experiência e construção de saberes.

Mo dúpẹ́  às minhas meninas, João Pedro Rodrigues, Yanne Andrade e Déba Tacana, pelos encontros e saberes trocados, pela argila modelada, por serem tão parceiras, pelas risadas e brigas. Ẹ ṣe o! Sou muito feliz em fazer parte desse barco, como chamamos no candomblé quando mais de uma pessoa se inicia; na arte, eu sou do barco de vocês.

Mo dúpẹ́ a todas as rolezeiras pelo encontro, pelas loucuras e cachaçadas, pelos desentendimento quando o cu tá cheio de pinga...kkkk... por fazer de qualquer experiência juntas um marco histórico, com leite condensado e mamilos aparentes, kkkk. Ousarei citar alguns nomes, me perdoem se esquecer alguém: Juliane Lima, que tanto foi importante para a feitura do meu casamento e também deste site, me orientou no layout e quando a paciência me faltou, ela abrandava. A Anna Paula Vidal,  Maria Julia, Arilson Rodrigues, Morgana Caroline, Candice Machado, Laís Bione e toda malocada por tanta loucura em tempos tão conservadores. Um bando de caretas metidos a desconstruídos! Ọpẹ́.

Mo dúpẹ́ aos meus colegas de turma, aos que permaneceram até aqui, em primeiro lugar os negros seguidos dos não negros. Mark Allen, Marrison, Giovane Peixoto, Thais Marczuk, Marina Diniz, José Lírio Costa, Fernando Pereira, Bibia Aguiar...

​Mo dúpẹ́  a Sarah Allelujah, por me ensinar a amar a terra e fazer perceber a potência do meu trabalho, por ser curadora de LUGAR DE TERRA, exposição que me marca por dividir o espaço das galerias por onde passamos com pessoas tão queridas, tão poéticas e necessárias.

Mo dúpẹ́  a Clarissa Campello, por aceitar me orientar de última hora e por acreditar no meu trabalho, ajudando-me a construir um material tão bonito e importante para mim/nós. Por ser essa doidona, engraçada e prestativa a quem eu aprendi a respeitar e a querer perto e muito bem. Ẹ ṣe o, por fazer da sua produção um lugar que caminha nas ruas e nas periferias. Às vezes a gente tem ódio, mas o processo de desconstrução é muito longo e você está sempre apta a ouvir sem questionar e a mudar. Se não fosse você, ai, ai... rsrsrs...

Mo dúpẹ́  a alguns outros professores que contribuíram com a minha formação, em especial a Elson Rabelo. E ṣe o, por pensar a cultura e a identidade negra num curso de currículo embranquecido. E ṣe o, por me incentivar e orientar, mesmo em linhas de produções diferentes. Mo dúpẹ́ a outra única professora negra, Inês Regina, pela dedicação e mimo com que desenvolve seu oficio.

Mo dúpẹ́ ao querido Zé de Rocha, por fugir da lógica cartesiana de ensino e usar a música como norte centralizador de suas poéticas. Mo dúpẹ́ a Edson Macalini, mesmo sem ser meu professor na prática da sala de aula, nos ensinou muito sobre desenho expandido e suas possibilidades.

Mo dúpẹ́ a Jane Gondim, por me acolher no seu projeto “Alegrarte”, de onde eu garanti permanência no curso, porque não basta políticas publicas de cotas quando não se tem assistência para permanência de estudantes dissidentes. Mo dúpẹ́ a Euriclésio Sodré, pelo PIBID, mesmo me fazendo raiva com tanta reunião desnecessária e por me fazer dar aula no lugar de uma professora nesta ação.

Mo dúpẹ́ a Joana Rabelo, por nos mostrar tantas possibilidades do ser professor, por nos dar autonomia e liberdade para exercer o status de estudante.

Mo dúpẹ́ a passagem de Violeta Pavão pelo colegiado, por ter oportunidade de conviver com ela, por me ouvir e me orientar também. Por ser sapatona e professora que pensa o corpo como possibilidade de linguagem e potencialidades. Saudades.

​Mo dúpẹ́ a Nereide (o processo de racismo faz com que não conheçamos o sobrenome de pessoas pretas), por zelar por nossos espaços. Agradeço a todos os funcionários que fazem com que a universidade caminhe, especialmente a Willames Franklin (Ai Wil, kkk), por aguentar tanto professor chato e ainda conseguir ser maravilhoso.

​Na deixa, também gostaria de fazer um adendo: somos uma universidade no sertão nordestino de um Brasil que acredita no mito das três raças. O nosso colegiado é composto por 15 docentes, destes, apenas 2 são negros. Muitos currículos ainda são embranquecidos e repressores e a universidade ainda passa pano pra professor racista e abusador.

Mo dúpẹ́ aos Orísàs, pela minha saúde física e mental, após ter sido vítima de racismo institucional por um professor recém-contratado. Adoeci e quase não chego até aqui. Este Ebó também é cura individual, antes mesmo de ser coletiva e sem deixar de ser.

Mo dúpẹ́ a todos os estudantes compromissados com o desenvolvimento do curso e com as pautas sociais de negritudes, principalmente, em denunciar o racismo. Não passarão!

Mo dúpẹ́ ao DARVIS – movimento estudantil, por me permitir adentrar nessa loucura e entender toda sujeira por baixo do tapete de uma instituição, fui representante durante quatro anos, aprendi na marra a delícia e dor de o fazê-lo. E ṣe o, a todo tensionamento e contribuição que deixamos como legado. Pautas negras, indígenas e de gênero sempre foram primordiais nesse percurso; garantindo o enegrecimento do currículo acadêmico, fazendo grave e denunciando quando preciso. Aos que vierem depois de nós, continuem.

Aqui pude ser curador, montar exposição, brigar, chorar, ter responsabilidade coletiva, adoecer e me curar. 

E ṣe o, pela oportunidade de conhecer  Dona Cadu a centenária (Ricardina Pereira da Silva), sambadeira de Caboclo. E ṣe o, por nos honrar com seus ensinamentos na labuta do fazer cerâmico. 

Mo dúpẹ́ a produção de Dona Ana Das Carrancas, mulher preta ceramista no sertão. E ṣe o, pelo legado e inspiraçaõ. Mo dúpẹ́ às suas filhas e netas por darem continuidade ao seu trabalho com tanto esmero e qualidade.

Mo dúpẹ́ às ceramistas e aos ceramistas  de Coqueiros e Maragogipinho Bahia pela troca e pelos objetos que produzem para o Candombé. E ṣe o, pelo barro cedido para minha produção. 

Mo dúpẹ́ a todas as pessoas negras que se comprometeram em abrir os caminhos para que pessoas como eu pudessem estar aqui. 

Sou a primeira pessoa da minha família de sangue e de santo a fazer universidade pública. 

E ṣe o, aos autores e autoras negras, aos artistas negros e negras compromissados com esse percurso. E ṣe o a todos os movimentos que tencionam as estruturas.

Mo dúpẹ́ pela escuta que me fez compilar tantos saberes e tantos segredos de outrora. E ṣe o, pela sabedoria e oralidade dos meus mais velhos. 

 

Ẹ ṣe gbogbo! 

© 2022 Luiz Marcelo 

bottom of page